E lá de cima de sua torre, a menininha viu aquele já conhecido rosto, vindo mais uma vez salvá-la das correntes que ela mesma colocou em si.
Aquele lindo rosto determinado, incansável, totalmente e completamente amável.
Como era possível que ele continuasse tentando? Derrubando os muros, passando pelo jardim de espinhos, nadando através do rio gelado e escalando toda a altura daquela torre, somente para livrá-la dela mesmo.
Ela tinha medo. Medo de se machucar, de tentar. Medo de que ele a visse por quem ela era; sem os vestidos bonitos e o cabelo arrumado. Sem o sorriso forçado, e as palavras medidas. Medo de que ele visse e não gostasse.
Então ela fugia. Ele ia atrás.
Ela fugia de novo. Ele ia atrás.
Ela fugia mais uma vez. E ele ia atrás.
Quanto tempo mais ele iria aguentar, se ela mesmo não se deixava amar?
Ela morria medo. Medo de que descobrissem que na verdade ela era entediante. Ou que ela nem sempre estava tão alegre.
Ela morria de medo e o medo a matava.
Dia após dia, lentamente ela morria. Gradativamente acreditando que o medo era seu aliado e que todas essas mentiras sobre si eram a realidade.
E lá estava ela, algemada à pedra fria da solidão, quando viu aquele rosto reluzente, o sol se pondo por trás. Mais uma vez ele veio.
Mais uma vez ela fugiu.
Muito tempo se passou, e a vida seguiu como estava.
A garotinha continuou acreditando nas mentiras do medo, e continuou fugindo; não se permitindo ser amada.
Certo dia, ela resolveu ir atrás dele. Desceu de sua torre, atravessou o rio, e o jardim de espinhos, derrubou os muros e correu. Mas não sabia para onde ir, sempre acostumada com ele vindo salvá-la. Entrou então em uma densa e escura floresta e caminhou por horas à fio. No meio do caminho, já cansada, parou para respirar um pouco. Pretendia continuar a caminhada, ir atrás daquele que sempre a amou. Todavia o tempo não concordou. A hora da menininha havia chegado.
Deitada na terra fria, a cabeça sobre uma raiz de árvore, ela respirou pela última vez, apertando forte a mão de alguém que ela não conseguia mais ver, para enfim, soltá-la para sempre.
Ele estava lá. Ele sempre esteve lá. Havia ido atrás dela mais uma vez, sempre amando, sempre esperançoso que dessa vez, ela iria deixá-lo penetrar as suas camadas de auto-proteção.
Ao ver a sua menininha correndo para a floresta, ele havia ido atrás dela. Quando a viu caída no chão, sem forças, ele correu até lá, mas foi tarde demais. Ela já havia partido, e levado com ela o seu coração. Ainda apertando a sua mão sem vida, ele sentiu que havia algo que ela segurava. Um papel, e nele estava escrito:
“Você me fez enxergar além da minha própria escuridão.
Sei o quanto demorei, mas agora eu estou pronta.
Espero que me perdoe.
Para sempre te amarei.”